19 outubro 2006

Outra Vez o Aborto

No dia em que o referendo do aborto volta ser notícia, não resisto a reproduzir um antigo apontamento com ano e meio sobre o assunto (foi escrito em Abril de 2005) e que na sua essência continua actual. (A referência a Odete Santos é obviamente datada.)

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Aborto


A interminável discussão sobre o aborto teve hoje mais um episódio na Assembléia da República.

Esclareço em primeiro lugar que sou totalmente favorável à despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez e que tendo votado pelo «Sim» no primeiro referendo, obviamente voltarei a fazê-lo na nova consulta popular que tudo indica acontecerá em breve.

Esta é uma daquelas questões em que manda a hipocrisia, e que a lei é totalmente ineficaz . Duvido que mulher alguma faça um aborto alegremente e acredito piamente que a despenalização não fará o seu número aumentar. Irritam-me profundamente os tais «defensores da vida» que promovem a todo custo a concepção,mesmo que as crianças que daí nasçam sejam abandonadas, maltratadas, escravizadas, humilhadas e violadas ou que cresçam numa família disfuncional com pais ainda adolescentes. Os tais senhores que consideram «vida» um amontoado de células e que se estão nas tintas para o futuro desses rebentos são os mesmos que tudo fazem para combater a educação sexual nas escolas e a promoção dos meios anticoncepcionais.

Vivem no seu mundinho a pregar virtudes que raramente respeitam. Frequentemente são abjectos.

Do outro lado da barricada há no entanto o correspondente.

Em Portugal a luta a favor da despenalização do aborto tem estado infelizmente entregue, aos palhacinhos do Bloco de Esquerda que com seu moralismo em sentido contrário julgam-se o supra-sumo da humanidade, sempre prontos a julgar e condenar os outros.

Episódios ridículos tipo o «aqui mando eu» protagonizado por uma totozinha bloquista à porta de um Tribunal apenas contribuem para a radicalização da discussão e muito têm ajudado para o perpetuar do problema em Portugal. Atitudes como a que hoje teve Odete Santos, uma das várias aberrações inimputáveis do Parlamento português, explicam porque o país continua neste tópico na cauda da Europa.

É óbvio que foi um erro ter convocado o primeiro referendo. O Parlamento podia e devia ter legislado na altura. Infelizmente não o fez.

Mas perante a vitória do «Não» é uma autêntica irresponsabilidade advogar a modificação da lei sem o recurso a um novo referendo. E mais...a meu ver este só devia ser convocado passados pelo menos dez anos a seguir ao primeiro. Porque meus amigos, caso tal não aconteça, os tais «defensores da vida» e os seus aliados no Parlamento terão todas a legitimidade para voltar à carga quando a despenalização for aprovada. Em Democracia é preciso saber respeitar os eleitores e os formalismos e não apenas acatar os resultados quando nos agradam.

E a vida ensina que às vezes é necessário recuar um passo para poder depois avançar dois...